A reprodução do machismo nas relações lésbicas: azul é a cor normal.



Nas últimas semanas muito se foi comentado sobre o filme sucesso de bilheteria e premiações, Azul é a cor mais quente, dirigido por Abdellatif Kechiche, diversas declarações polêmicas da atriz Adèle Exarchopoulos sobre o autoritarismo e incompreensão do diretor nas cenas de sexo (mais informações), e vários textos de criticas ao retrato da mulher no cinema, (vide também o escândalo do Ultimo Tango em Paris). Mesmo assim o filme não saiu dos tops ou o mesmo levou o debate sobre até onde pode ir a arte caiu na boca do povo.



O debate sobre o papel da mulher no cinema ainda é escasso no cenário cultural, quem colocaria em cheque a produção de grandes gênios? Que precisamos fomentar e jogar essa reflexão nos espaços isso é claro, mas o filme também traz outra questão importantíssima, a que pretendo debater hoje: monormatividade nos relacionamentos lésbicos, e o espelho nos relacionamentos heteros.

No filme vimos claramente a divisão de papeis e de como o machismo é reproduzido pelo reforço dos mesmos, botando em cheque o objetivo do diretor que era de, realmente, mostrar o cotidiano “comum”, sem fetichização – mesmo que aconteça demais-, colocando nossos relacionamentos dentro da “normalidade” que nunca nos foi concebida, mesmo assim chegamos a vários impasses. 

Sabemos que o relacionamento lésbico sempre foi alvo da erotização e machismo, alguns alegam que falta alguma coisa – o falo – no nosso lance, fruto da dominação masculina e da heterossexualidade compulsiva, mas quando tratamos namoradas/esposas/parceiras lidas como “femininas” julgando-as e exercendo um papel masculino, onde “eu posso trair porque ocupo o papel do provedor da casa”, e você não pode porque é “a mulher”, nós estamos reproduzindo o mesmo machismo que diz que só servimos a fantasias sexuais masculinas?Sim, estamos. 

Até um tempo atrás existia o peso do “ser passiva(o)” –ou lady- muito bem colocado na comunidade LGBT, havia negação e vergonha sobre ocupar o papel “feminino” em uma relação homossexual (e ainda existe na periferia), reflexo claro de como somos socialmente construídas dentro de uma sociedade machista e heteronormativa. 

Devemos voltar a nossa reflexão como mulheres (lésbicas, bis) que sofrem todo o peso do machismo, da lesbofobia – se negras, do racismo também – as nossas relações com outras mulheres que se encontram na mesma condição na sociedade: marginalizadas. 

Nós que sempre criticamos e com toda razão quando nos perguntam “quem é o homem da relação?”, não podemos internamente reproduzir “o papel do homem na relação”, submetendo e ferindo nossas companheiras duplamente. 

Ser lésbica e feminista é uma jornada dura, logo necessária, de desconstrução e construção sobre o senso comum, e todo cuidado é pouco, para não inferiorizarmos, mesmo que sem intenção, nossas companheiras, que muitas vezes – quase sempre – estão na luta pela queda do patriarcado.

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